sexta-feira, 21 de setembro de 2012





Recordar meus Pais! Saudades!













































Meu querido Manuel:
Só ontem soube por uma notícia de jornal português que aqui me chegou atrasado e trazia a notícia da missa do 7º dia, da morte de tua Mãe. Tenho muita pena de não poder estar aí contigo e dar-te o abraço que te mando por carta. A hospitalidade que os teus Pais tantas vezes me deram na Rua do Passadiço nos anos atribulados da minha adolescência e começo da juventude é uma das recordações mais gratas que conservo desses anos. Era uma casa, uma base, um sítio onde se retemperavam o corpo e o espírito à volta da grande mesa de almoço e jantar na paz que emanava dos teus Pais. Era uma espécie de banho para a alma, uma ilha quase absurda de princípios simples com os quais se deve organizar a vida, absurda no meio de um mundo tortuoso, viscoso e oportunista - provávelmente como todos os mundos. A tua Mãe conservava a candura que a fazia sempre acreditar no que tu lhe dizias - que eu não gostava da fruta ou perguntava porque é que não havia pasteis de Belém. A mentira era uma espécie de doença que afligia certas pessoas infelizes que viviam lá fóra e a maldade, em última análise, não existia. Os teus Pais ficaram sempre, para mim, como os últimos representantes de um mundo que eu já não conheci e que só talvez tenha existido para um pequeno grupo de pessoas, durante uns curtos decénios. Eram pessoas ingénuas como crianças e fortes como árvores.
Estende o meu abraço aos teus irmãos especialmente Luís e Maria Adelaide.
A Teresa manda-te um grande abraço.
E mais outros meus
                                          Zé



Tenho estado a remexer na minha correspondência antiga, e  foi bom ter encontrado esta carta do Zé Cutileiro, que me fez recordar a sua companhia fraternal, quase diária,  durante tantos anos! Foi escrita em 1970, quando estava a preparar o seu doutoramento em Antropologia, no St. Antony's College de Oxoford. Embora a diferença de idades, era muito querido por todos os que nos reuniamos na tertúlia da antiga "Riviera" da Praça dos Restauradores, e onde revelava já  a sua personalidade e cultura multifacetada. Em casa de meus Pais sentava-se ao piano e tocava o  "seu Debussy"... A sua afectividade revela-a na carta que me enviou quando do falecimento de minha Mãe!


O jovem José Cutileiro numa fotografia tirada por seu irmão João