segunda-feira, 16 de abril de 2012





Um repto para o Lino, com um apertado abraço!

Lembrando o  Ruy Cinatti!

O Ruy Cinatti numa das visitas que fez ao Casal Sá Marques (1985)

O Ruy Cinatti, durante anos, visitava-nos acidentalmente, mas com alguma frequência, na antiga Associação Protectora dos Diabéticos. Morava na Travessa da Palmeira, e de  manhã cedo saia de casa, passava pelo Jardim do Príncipe Real, onde apanhava  uma flor que colocava na lapela, rezava na Igreja de S. Mamede, e ia bater à porta do n.º 113 da Rua do Salitre. Era recebido por todos carinhosamente! Mas os seus ouvintes certos eram o Nuno Castel-Branco, o Lino Fernandes da Silva e o João José Nabais Governo, que registavam com prazer as suas histórias, e tambem o apoiavam e aconselhavam quando aparecia adoentado. Na sua última visita, em Outubro de 1986, apareceu ofegante e com acentuda opressão torácica. Depois de ser observado, o Lino acompanhou-o ao Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital de Santa Marta, onde se comprovou a necessidade da extração do liquido pleural, e onde ficou internado, ao cuidado do Colega Rui Bento, então director do serviço, ai passando os últimos dias de vida.



 Fotografia tirada pelo Ruy Cinatti em 9 de Outubro de 1984 - Da esq. para a dir. -  Nuno Castel-Branco,  Manuel Sá Marques, João Governo e  Lino da Silva



Quando conheci o Ruy Cinatti, recordo-me bem, referi o facto de meu Avô Bernardino Machado ter  fundado o ensino da Antropologia em Portugal, quando por sua iniciativa as aulas de agricultura e economia rural, que então eram ministradas na Unversidade de Coimbra, foram substituidas na mesma cadeira pelas de antropologia. O Ruy Cinatti que era licenciado em agronomia, tornou-se um antropólogo de méritos reconhecidos.
Mas hoje Ruy Cinatti  é mais conhecido como um dos nossos poetas contemporâneos. Foi através da poesia que manifestou a sua vasta cultura e enorme sensibilidade!

O Lino vai certamente colaborar neste bloque, contando-nos as histórias que ouviu. Este é o meu pedido!...

Hoje quero registar uma das folhas que o Ruy Cinatti dactilografava para distribuir pelos seus amigos, uma das dedicadas às flores (a  sua "Flora de Portugal"), aquela que se refere ao Junquilho e em que sou citado com tanta ternura.

















7 comentários:

  1. Conheço bem todos os que estão na 2ª fotografia, Grande Equipa, com alguma pena de alguns já não se encontrarem no meio de nós, mas ficam as Recordações.
    Um grande abraço para o amigo Dr. Sá Marques e continue a com este belo trabalho.
    Carlos Maciel

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  2. A minha gratidão por me trazer estas recordações de queridos amigos que pelo seu saber e qualidades humanas me narcaram muito. Recordo os que ja partiram com tranquilidade e a satisfação de tê-los tido por amigos do peito. BEM HAJA Manuel por nos ter juntado durantr muitos anos na Rua do Salitre.
    Quanto ao repto que me faz sobre o Ruy Cinatti sinto que não tenho talento para falar dele. É verdade que o ouvia cheio de interesse e, se pudesse, fiaria a manhã inteira a ouvi-lo falar, representar, esbracejar, rir e saltar se fosse preciso.
    Foi o Homem com o pensamento e o espírito mais livres que conheci, dos mais cultos, sens´veis e inteligentes que encontrei nas minhas andanças, que se estava borrifando para os poderes e para quem se julgava poderoso,com total desprezo pelos bens matrriais.Por vees aparecá-nos atormentado e trémulo. Tinha tido algum desgosto ou uma enorme decepção, mas não se queixava. E ria de quem o ignorava ou fingia não conhecer quando o encontravam a distribuir versos no Chiado...Inteligente, sensível e instável, andava por vezes entre cá e lá. Mas, como dizia Graça Pina de Morais. "pior que os loucos são os indivíduos terrivelmente normais" como possivelmente seriam alguns daqueles que fingiam não o conhecer; os formatados para cumpriremas normas e convenções sociais e, assim, irem subindo na vidinha. Também conservo religiosamente muitos textos e poemas em folhas soltas que me foi dando.
    Um dia destes contarei alguma história sua com que nos distraiu e enriqueceu tantas vezes.
    Um abraço grato do
    L.S.

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  3. Tem mesmo que contar Lino! Eu fico ansiosa à espera. Farta dos terrívelmente normais!
    Obrigada e beijinhos
    Rita

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  4. Para a Rita, minha querida amiga.
    Ruy Cinatti já não era novo quando o conheci;de estaturamediana,tez morena, olhos pequenos e semicerrados devido ao sorriso fácil,seco de corpo e muito ágil para a idade.
    Mais tarde (com o Nuno Castel Branco, o João Governo e o Sá Marques), no café da rua de São Mamade e na Associação dos Diabéticos na Rua do Salitre,deliciei-me com a sua cultura, a sua vivacidade e as suas histórias.Era um homem rijo, destemido e de
    grande coragem física.






    Uma manhã falou-se de Timor (onde trabalhou, produziu muita obra poética,aprendeu a língua nativa - o tétum - e fez juramentos de sangue com nativos timorensas), recordou uma visita que fez às ilhas Samoa. Creio, mas não tenho a certeza, que foi durante uma viagem de Lisboa para Timor que decidiu alterar a rota e ir àquelas ilhas. À chegada, foi retido pela polícia e não lhe deram autorização para visitar a ilha. Um português de tez morena, engenheiro, a trabalhar em Tinor, sem visto no passaporte e tendo como motivo da viagem a visita ao maosoleu dum poeta,era, para a polícia altamente suspeito. Tratava-se do maousoleu de Robert Louis Stevebson, poeta e escrutor escocês, que embora doente, partiu da América do Norte com a mulher e um enteado rumo ao Pacífico sul.Na Polinésia apaixonou-se pela beleza das ilhas Samoa, e ali viveu os últinos anosda sua vida. Faleceu em Ápia, na ilha de Opolu,aos quarenta e poucos anos de idade e repousa num mausoleu que ele próprio mandou construir. Cinatti não desistia com facilidade.Não sei quanto tempo esteve retido na polícia,com quantas pessoas e que argumentos utilisou, quantos telefonemas teria feito.Sei, é que não abandonou a ilha sem se ter ido curvar diante do mausoleu de Robert Stevenson.

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  5. Obrigada Lino!Gostei muito de o 'ouvir' e não tinha conhecimento desses dados biográficos do Stevenson. Bem haja, como se costuma dizer.
    Um beijo grande e obrigada pela sua lembrança
    rita

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  6. Ruy Cinatti, ainda…


    Nalguns períodos sentia-se imbuído de espírito missionário e frequentava comunidades franciscanas, viajava pelo país, passava pelo mosteiro de Singeverga (onde era muito bem recebido), e contava-nos episódios e vivências com a alegria que o caracterizava nesses períodos. Desinibido e corajoso, deixava transbordar o que lhe ia na alma onde quer que estivesse, alheio a preconceitos e a consequências.
    Quem, a não ser Cinatti, sentindo que tinha de transmitir a sua mensagem, era capaz de espalhar poemas seus e orações de S. Francisco a conhecidos e desconhecidos por todos os lugares que frequentava ou por onde passava?
    E estou a vê-lo, com os braços levantados, na sua frente, fingindo tocar ferrinhos e rindo, a dizer-lhe a si, Manuel, «fala, fala, mas há-de acabar a tocar ferrinhos na orquestra celestial….».

    Não resisto à tentação de transcrever, com a devida vénia, dois episódios referidos no livro «A CONDIÇÃO HUMANA EM RUY CINATTI» de Peter Silwell, (Editorial Presença, 1ª ed.,.1995, pag.337 e 338).
    «…Nada o coíbe. O chamado respeito humano é timidez que desconhece.
    Quem, senão ele, e no estado de espírito que então vivia, teria tido o desplante para desafiar os frequentadores desses bares de Lisboa para um momento de oração em conjunto, como refere a Joaquim Furtado? …
    R-C. - […] Dentro das leituras do Novo Testamento eu ia para lá e falava durante dez minutos. Uma vez, num bar do Cais do Sodré, pus as pessoas a rezar o Pai Nosso, principalmente três soldados do norte…o resto da malta ficou caladinha que nem um rato…baixaram a cabeça…
    JF – Mas para quê por as pessoas a rezar num bar?
    RC – Mas para quê?! Eu estava satisfeito e quando estou satisfeito desato a rezar! É uma maneira de agradecer a satisfação que vai dentro de mim… Como crente que sou, eu agradeço o bem ou o mal que me sucede, porque tenho verificado que muitas das coisas que considero más na minha vida, acabam por ser boas. Se eu não tivesse tido uma data de desaires na minha vida, não estava agora aqui tão amenamente a falar…já me tinha suicidado!»

    «Sente-se portador de uma palavra de esperança e de ternura para os que frequentam o submundo da cidade. E a vontade de anunciá-la aos quatro ventos leva-o num momento de entusiasmo a pedir autorização ao Cardeal Patriarca de Lisboa para fazer uma homilia na igreja dos Jerónimos.:
    ele voltou-se para mim e disse: Nem pensar! Você não sabe o que é a Igreja e a burocracia da Igreja! Deus o livre! Vá lá fazer as suas homilias para os bares que frequenta. Onde Você estiver está a Igreja», .Como é que o sr. Sabe isso?» – perguntei eu:

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  7. Ruy Cinatti, ainda cont.

    O Manuel, creio eu, não entende muito bem o mundo dos poetas…. Contudo, foi para Ruy Cinatti o profissional e o Amigo que ele precisava. Além dos conselhos médicos e dos atestados que lhe passava prolongando-lhe a baixa, possivelmente intercedendo até outros níveis, preocupava-se muito com a situação dele, insistindo para que não abrisse a porta a ninguém, chegando mesmo a proibi-lo de o fazer!
    Cinatti retribuía-lhe essa amizade. Basta ler o texto que lhe dedica.
    Foi uma época penosa para Ruy Cinatti. Parecia andar no mundo desamparado e frágil, como pinto sem mãe, carente do apoio de amigos sinceros. E foi essa a altura, soube-o mais tarde, que alguém achou propícia para lhe furtar, de casa, objectos e documentos de grande valor que só poderiam ter sido roubados (roubados é o termo adequado) por quem conhecia a casa e sabia o valor que tinham.. «Não pela maralha que eu apanhava na rua mas por gente de alto coturno», disse Cinatti a a alguém, profundamente magoado.

    Recordar o cidadão, o poeta e o amigo Ruy Cinatti é justo e bom. Mas deixa-me um travo amargo lembrar a ingratidão com que foi tratado por alguns e a incompreensão da sua bondade e pureza de espírito por outros.

    Um abraço
    LS.


    A melhor maneira de recordar um poeta é lê-lo, ou melhor, ouvi-lo.

    PROCLAMAÇÃO

    A natureza não desce
    A contratos. Nem a vida
    Se mede pela razão.

    A vida é toda mistério.

    Quem largamente se deu
    Não ofendeu a justiça
    Mas viveu do coração.

    De: «O livro do Nómada Meu Amigo»

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